Correntes latejantes

Sou de carne cativa entre osso e pele, enquanto ânsias irrigam a sangue, frenesi insaciável. Sou de sonhos cativos entre osso e pele, castigados por espírito inerte, sou entregue, ao ócio e ao limbo, de quem herda do tempo a angústia e a exaustão da passividade. Um par de pernas trêmulas fincado na morosidade dos temores.

— Alana Marroquim, Abr. 2024

Minha paixão há de brilhar na noite

Cintilo paixão e vontades
Como morte de galáxia em ânsia
Enxergam-me a olho nu, apenas
Aqueles sensíveis
A magnitude de uma estrela-sonho
Aqueles que circuitam pelos anéis de Saturno
Num ritmo regrado por pernas devotas ao samba, bambas!

— Alana Marroquim, Jul. 2023

Arranjo de meus sussurros, concerto de tuas mãos

Quero tuas mãos astutas,

atentas a meu corpo,
Como se fazem atentas

E assíduas
ao corpo de teu lamuriento amante violão, praguejando

noite adentro

seu ‘blues’


Afina-me à meia noite, à meia lua, à meia luz!


Dedilha-me as cordas

De libidinoso rouco baixo —

Num denso e vagaroso jazz de lascivas vísceras —
como quem toca dedicado,

ainda que para platéia vazia.


Meus melhores acordes alcançam teu nome, apenas.


Sou sonora e gravemente tua.

— Alana Marroquim, Jul. 2023

Aguerrida e matutina

Pavor,
é de uma manhã que alvorece
em dívida com a luz do dia,
a permanecer adormecida
E cativa, emaranhada em lençóis de covardia.

Eu quero o sol de minha inocência
A aquecer e acender
toda manhã-coragem em mim
Afastando do toque gélido da malquerença
Aquilo que, de todo temor, ainda ousa despir-se.

Travo batalhas contra o toque avarento da melancolia. Aguerrida.

Não lhe dou ouvidos, não lhe empresto vida.

— Alana Marroquim, Jul. 2023

Noite carcereira

Aprisionada à noite, insone.
Olhos despertos ainda que comprometidos apenas a meio expediente.
Pálpebras num limbo entre sucumbir-me a escuridão fecunda dos sonhos,
E a manter-me alerta a avarenta e falha luz artificial e insuficiente, de uns outros sonhos, estes que nunca, jamais amanhecem.

— Alana Marroquim, Jun. 2023

Aos ouvidos das estrelas

Eu empresto meu corpo a arte

Para que a morte não o leve embora

Eu empresto meu sangue a arte

Para que aceso, pólvora, não permita à vida

Apagar-me

Eu empresto minha voz a arte

Para que a rotina não emudeça

A eloquência de quem canta 

Segredos terrenos

audíveis apenas

aos ouvidos das estrelas.

— Alana Marroquim, Mai. 2023

Eu gosto é da penumbra

Eu gosto é da penumbra.
É manto moreno e benigno
a me proteger
— Em intervalo sacro
Entre morte da noite,
E ressurreição de
majestoso astro rei—
Da obscena claridade,
Mãe da sensatez
Que me aponta severamente
cada púrpuro defeito
Hematomas de dentro
Num toque violento,
em corpo desnudo
E entregue.


A luz do sol há de ser sóbria
As trevas da noite, arfantes
Mas a escuridão em renúncia
E o amanhecer debutante
Em santa comunhão
Me acordam uma voz
Que só se escuta
por quase embriaguez
Num passo bambo
Entre convicção
E relutante talvez.


Em grande dívida, com o sol
e com a lua
Sou criança da penumbra.
E fui forjada pela dúvida.

— Alana Marroquim, Dez. 2022

Fadiga

Exaustão é um peso que carregamos, de lágrimas não derramadas, quase que cativas, de olhos relutantes a liberdade de um choro bem chorado. É uma rouquidão consequente daquilo tudo que não se diz.

Alana Marroquim, Ago. 2022

Coração-cinzeiro

Me sopraram morta
Remanescente faísca do peito.
Agora meu coração
nada mais é
do que teu cinzeiro
Bituca de teu falho afeto
Alço então,
voo vermelho,
E como fênix
Faço do fim, o meu (re)começo.

— Alana Marroquim, Jul. 2022